Política

OAB SP manifesta apoio ao PL 253/2021, que institui a Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua

Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos que vivenciam uma peculiar condição biopsicossocial de desenvolvimento¹. A Constituição Federal, em seu artigo 227, determina que é dever do Estado, das famílias e da sociedade assegurar, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais². A partir da regra constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) consagrou em seu artigo 4º que a absoluta prioridade inclui a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; a precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; a preferência na formulação e na execução das políticas públicas sociais e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Dessa forma, crianças e adolescentes devem estar sempre em primeiro lugar nos serviços, políticas e orçamento públicos.

A presente nota pública se faz necessária em razão da divulgação dos dados em relação às crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de São Paulo, pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), dentre os quais destacamos que foram contabilizadas, aproximadamente, quatro mil crianças em situação de rua, e que, desse total, somente 16% são atendidas em serviços de acolhimento, 10% pernoitam nas ruas, 73% utilizam a rua como meio de sobrevivência³ e, na perspectiva racial, 70% são pretas ou pardas4. Considerando o número alarmante de crianças e adolescentes que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, a Comissão Especial de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB SP se manifesta publicamente pela aprovação integral do substitutivo ao Projeto de Lei (PL) 253/2021, que institui a Política Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua e que tramita na Câmara de Vereadores de São Paulo, dada a urgência do tema.

Nesse sentido, destacamos algumas orientações no âmbito internacional e nacional sobre o tema, no sentido de guiar as autoridades e responsáveis pela gestão pública na condução das políticas públicas voltadas a esse público.

O Comentário Geral 21/2017 do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas orienta aos Estados signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança a respeito de como desenvolver estratégias nacionais amplas e a longo prazo voltadas para as crianças em situação de rua.

O artigo 23 da Lei 8742/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – estabelece a obrigatoriedade de criação de programas de proteção às crianças e adolescentes e às pessoas em situação de rua, no âmbito da organização dos serviços de assistência social.

A Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Assistência Social (Cnas) e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) número 1, de 15 de dezembro de 2016, dispõe sobre o conceito e o atendimento de criança e adolescente em situação de rua e inclui o subitem 4.6, no item 4, do Capítulo III do documento Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes.

A Resolução Cnas/Conanda 1, de 7 de junho de 2017, estabelece as Diretrizes Políticas e Metodológicas para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de rua no âmbito da Política de Assistência Social.

A Resolução 187 do Conanda, de 9 de março de 2017, aprova o documento Orientações Técnicas para Educadores Sociais de Rua em Programas, Projetos e Serviços com Crianças e Adolescentes em Situação de Rua.

A Resolução 40/2020 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) dispõe sobre as diretrizes para promoção, proteção e defesa dos direitos humanos das pessoas em situação de rua, de acordo com a Política Nacional para a População em Situação de Rua.

Tais documentos já apontam para caminhos que podem guiar o planejamento da legislação e o desenho de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua. Uma legislação municipal específica sobre o tema, construída com a sociedade civil, guiada pelos valores da proteção integral de todas as crianças e adolescentes e combate a qualquer forma de discriminação, será de fundamental importância para contribuir que as políticas municipais atendam as especificidades desse público e que considere a complexidade do problema, consolidando em um único documento as orientações contidas nos documentos anteriormente citados.

O Decreto Federal 7053/2009 é resultado do histórico de luta dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada e instituiu a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento reconhecendo que não existe outro caminho a não ser a efetivação da intersetorialidade para lidar com o fenômeno de estar e viver nas ruas. O referido decreto trouxe diretrizes importantes para estados e municípios organizarem a própria administração, garantindo a oitiva das pessoas que estão em situação de rua para o desenvolvimento dos serviços públicos. Vale destacar que São Paulo foi a primeira cidade a aderir formalmente à política nacional, em 2013, mesmo ano em que instituiu o Comitê PopRua, vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, instância deliberativa que contribuiu para o desenvolvimento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, consolidada na Lei 17252/2019.

O trabalho social com a população em situação de rua deve garantir o direito à convivência familiar e comunitária, atuando para o fortalecimento e/ou reconstrução de vínculos familiares e/ou comunitários, seja estando com a família na rua ou não, bem como devem ser promovidas todas as medidas socioassistenciais, de saúde, moradia e demais políticas públicas para que adolescentes e mulheres grávidas tenham as condições de ficar com o seu filho ou filha quando nascer, garantindo a proteção integral à família.

Destaca-se que o substitutivo do PL 253/2021 é alinhado aos demais documentos jurídicos sobre o tema, apontando para a efetivação de políticas transversais e intersetoriais, priorizando o fomento à cidadania no lugar do mero assistencialismo e caridade para essas pessoas. Na descrição dos seus princípios, diretrizes e objetivos destacam-se: a compreensão da criança e do adolescente em situação de rua e na rua como sujeitos de direitos, pessoas em desenvolvimento e público prioritário das políticas públicas, reconhecendo seu contexto social e familiar, suas trajetórias de vida, suas demandas e interesses como dimensões interdependentes e buscando uma atuação intersetorial na garantia da proteção integral (artigo 3º, I); a priorização do atendimento e da garantia do acesso e permanência de crianças e adolescentes em situação de rua e na rua nas políticas, programas, planos, projetos e serviços municipais e a implementação de políticas públicas de forma integral, interdisciplinar e intersetorial com ações territoriais, transversais e articuladas, visando o enfrentamento de situações de risco pessoal e social (artigo 4º, I e II) e a promoção, em todas as suas dimensões, os direitos de crianças e adolescentes em situação de rua e na rua (artigo 5º, I).

De forma pragmática, o artigo 6º é dedicado à descrição do desenho das política públicas, focando na promoção de políticas setoriais e intersetoriais, de forma transversal e articulada com outros entes federativos e toda a sociedade, por meio da criação ou da ampliação de serviços públicos estabelecendo fluxos e desenhando etapas para comunicação entre os atores envolvidos na consecução dos serviços, projetos e programas. O texto legislativo também dedica especial atenção na descrição do aperfeiçoamento da política de assistência social, direitos humanos, política habitacional, saúde, educação, cultura, esporte, lazer, emprego e renda das crianças e adolescentes em situação de rua para promover portas de saída para a situação de vulnerabilidade e exploração social, movimento importante e fundamental para articulação e fortalecimento da Rede de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes que deve ser estimulado e assegurado por seus atores e órgãos, como é o caso do Poder Legislativo.

Por fim, com o propósito de combater toda forma de violação dos direitos das crianças e adolescentes e erradicação de toda forma de exploração, o texto legislativo prevê a obrigatoriedade do poder público estabelecer canais de atendimento e recebimento de denúncias e reivindicações de direitos, tais como ouvidorias e outros canais de comunicação, devendo essa prática ser incentivada e receber investimentos e estrutura para que sejam implementados os canais necessários para a garantia de direitos e o combate a qualquer tipo de violência.

Assim, a Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil vem manifestar-se pela aprovação do substitutivo do PL 253/2021, dada a absoluta prioridade de seus direitos e interesses, assegurada constitucionalmente, diante do exposto e nos termos da legislação vigente, e defende que é imperioso que sejam tomadas, com a máxima prioridade e urgência, todas as providências necessárias para garantir a efetividade do direito das crianças à vida, à saúde, à educação, ao convívio familiar e a todos os aspectos para garantia do seu pleno desenvolvimento como pessoa.

A proteção integral à infância e adolescência e o seu melhor interesse são pilares constitucionais que fazem do Brasil uma nação que tem na garantia dos direitos de crianças e adolescentes a sua prioridade absoluta.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo